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  • Foto do escritorPedro Laguardia

Detalhamento e relatos da Trilha Vuelta al Huemul

Essa foi uma das mais fascinantes trilhas que já fiz. Apesar de estar ficando mais conhecida, ainda não é a mais cotada entre as trilhas da região por alguns motivos que irei ressaltar a seguir. Porém, antes de começar, gostaria de dizer que pretendo ter uma abordagem mais pragmática de relato, evitando histórias romantizadas e alimentadas por ego que acabam descaracterizando dificuldade de alguns circuitos por aí, como a tão famosa travessia da Serra Fina, por exemplo. Tentarei me basear mais em fatos e evitar meus achismos que, quando colocados, serão identificados. Acordado isso, vamos começar. A trilha tem uma coleção de acidentes que poderiam ser facilmente evitados, isso ocorre, segundo os guardas parque, pela confusão que turistas tem de subestimar essa trilha achando que são como várias outras mais famosas de El Chalten, como a trilha até a Laguna de los Tres e a de Lado Toro, ambas confundidas e erroneamente denominadas como Fitz Roy e Cerro Torre as vezes. Isso porque elas não chegam na base dessas montanhas. Informação consequência de falta de seriedade com relatos de trilha por displicência ou simples marketing mesmo.

A vuelta al Huemul consiste em rodear o complexo do Huemul uma montanha avermelhada fora da cadeia do Fitz, podendo ver o mesmo ao começo da trilha, a nordeste. O nome da montanha homenageia um tipo de cervo extremamente raro de se ver por restar apenas uns 5000 deles (informações do guarda parque). São inofensivos, crepusculares geralmente, ariscos, mas curiosos. Originalmente o início da trilha começa ao lado do guarda parque e se encerra no Imbarcadero que se encontra interditado por um iminente desplacado de glaciar. Porém, ambos trajetos podem ter suas variações. Você pode começar a trilha pelo col a noroeste acessando já o segundo dia posterior a morena do glaciar inferior, tem até um ponto de acampamento de emergência no glaciar superior. Também se pode fazer a variação da trilha pela estrada, que foi o que fiz, para economizar tempo do último trajeto, que não tem mais paisagens espetaculares. Fiz isso para dar tempo de escalar de tarde, mas fica a critério do trilheiro.


Antes de pensar essa trilha você tem que considerar algumas coisas. Ela não é uma trilha usual de trekking no sentido de algumas experiências serem requeridas.


· Progressão em morenas (não restritivo, poderá ser uma boa primeira experiência de morena). Morenas são barrancos de cascalhos instáveis e íngremes mas de intensidade menor se comparados aos que se encontram para chegar as vias da cadeia Fitz ou Torre);


· Trilhas algumas vezes não bem marcadas (poucos trajetos);


· Extrema cautela com relação a janelas de tempo para as trilhas serem executadas bem (olhar em sites confiáveis e detalhados, visando também análise de pressão atm);


· Duas tirolesas separando o início do primeiro dia e final do quarto;


· Equipamentos específicos exigidos pelos guardas parques para entrar. Quando fui, se exigia mosquetão de aço, cadeirinha de escalada, solteira, fogareiro e mapa topográfico. Fogareiro e mapa são exigidos apenas um por grupo.


Esse último tópico acima me gerou alguns problemas pois eu não uso fogareiro pra poupar peso com equipo, comendo tudo cru e em pó se for 5 dias de trilha ou menos. Além do mapa, pois procuro estudar o local antes e levar tracklog no GPS. Não curto mapa pelo simples fato de gerar mais lixo e despender de mais grana pra cada trilha. Isso foi algo que ocorreu comigo e coloquei aqui para ilustrar que os guardas parque são rigorosos. Se você quiser ir sem registro pela trilha é por sua conta. Caso se perca ninguém saberá que está la e caso se acidente e consiga acionar o resgate por E-purb, ou demais grupos que passam, será cobrada uma nota de resgate por multa. Esse é o alerta que os guardas fazem, não é meu. No meu caso, eu comecei com um grupo que passava pois não tinha o mapa e o fogareiro, mas me separei já ao segundo dia deles por questões de ritmo de caminhada e porque curto fazer sozinho o que consigo/posso.


A trilha em si tem seus riscos em desfiladeiros, mas tudo totalmente aceitável dentro da proposta e escopo de trilhas. Não envolve escalaminhada, mas têm trechos bem íngremes de subida e descida. Não esqueça que estará rodeando uma montanha. A altitude é irrelevante como fator de risco em qualquer parte do trajeto, porém, a trilha tem duas partes expostas ao oeste, o que pode caracterizar em ambas, um clima alpino, com ventos que dificultam a progressão, visibilidade prejudicada e variações de temperaturas muito intensas, tanto crescentes como decrescentes.


A parte das tirolesas não tem mistério nenhum, vi algumas pessoas temerosas ao longo do percurso para fazê-la, mas todas não tinham experiência com isso, o que justifica o temor. Não aconselharia atravessar pelo rio que é raso, mas é frio, caudaloso e por isso acaba que dá mais trabalho (minha opinião). Inclusive, aconselho começar a trilha bem cedo, gosto de começar a trilha ao amanhecer, para evitar fila em trajetos mais complexos e imagens lindas do “Golden time”.


Os dias 2 e 3 exigem um físico bom, tanto cardio como suporte muscular pelas ascensões e descidas com graus de desníveis consideráveis. É necessário, mas não obrigatório, bons equipamentos como barraca, saco de dormir, botas, mochila e campeira (primeira camada de casaco). Isto porque a temperatura muda bastante ao longo do dia, podendo ter dificuldades de regulação termo corporal por esforço, vento, sol e neve. Todos os acampamentos programados são bem protegidos, porém, por questões de mudança climática ou outros fatores pode-se optar por um acampamento em uma área intermediária, e essas não são bem protegidas em sua maioria, podendo o vento quebrar a haste de barracas boas, inclusive (já aconteceu comigo). Botas boas vão evitar problemas de estresse por bolhas, passada errada, progressão em neve (raro de acontecer) ou progressão por pequenas travessias de riachos (maioria bem estreitos e de fácil esquiva). As temperaturas podem ser bem baixar para o parâmetro brasileiro e bons sacos de dormir e isolante te garantirão melhor sono e, portanto, melhor recuperação e desempenho físico. Outro fator negligenciado é o UV. Por não ser de altitude, se pensa em baixa incidência de UV com a latitude alta, porém, buracos na camada de ozônio que se concentram em proximidades do polo podem não filtrá-las tão bem, afetando pessoas de pele mais sensível, tipo a minha. Chapéu e protetor resolvem, já que neve pode refletir a radiação e driblar o chapéu (caso raro pela falta de neve no percurso geralmente). Outro fator é, como o tempo é instável e severo, bom você programar ficar em Chalten no mínimo 10 dias para encontrar uma boa janela de tempo para fazer a travessia, focando os melhores dias para o segundo e terceiro dia de trilha (parte oeste da trilha). A trilha é abundante em água potável quase sempre, sem nenhuma necessidade quanto a carregar grandes quantidades dela.


Essas são as principais observações e dicas gerais que podem me ocorrer dessa trilha. Separando agora para um referencial de minhas impressões:


Fiz a trilha em três dias com esforço mediano (uns 70% do meu limite de ritmo de trilha). A média, ao que tudo indica, isso ocorreu por eu estar treinando muito para essa viagem (treinava todos os dias da semana no Brasil, escalada, corrida de longa distância e musculação) e pela janela de tempo favorável. Essa janela tive oportunidade de escolher por totalizar 19 dias de estadia em Chalten. Assim mesmo, a melhor janela que tive oportunidade foi de: segundo, quarto e metade do terceiro dia bom, primeiro dia razoável e metade do terceiro dia ruim.


Pela minha experiência com a trilha eu classificaria em intermediária para esforço e técnica. Guia não é essencial se você tiver experiência com travessias dessa característica e porte, mas julgo estar em ótima forma ser essencial mesmo. Pode-se ressaltar equipamentos bons como quesito de segurança pois a imprevisibilidade climática da região é inquestionável, não subestime isso. Minha logística foi de ir extremamente leve, roupa do corpo apenas, comida pra 5 dias contados e em pó e desidratados, altas doses de carboidratos simples e complexo logo antes da trilha, utilização de suplementação alimentar de vitaminas, aminoácidos e maltodextrina diluídos em água ao longo dos dias de trilha. A abundância de água me fez adotar estratégia um pouco arriscada de hidratação também. Abastecia a minha bolsa de hidratação com apenas 1 litro de água e só reabastecia quando esvaziava. Isso não é referência para ninguém, sou uma pessoa pequena (53kg - 1,68m), que não retém água, mas diluía a água em sais minerais para evitar desidratação pelo grau de pureza de água de glaciares e fazia uma marcação aproximada de hidratação com goles periódicos (basicamente um a cada final de música de mp3). Estava numa abordagem de ir muito leve e o mais rápido possível, por isso esses métodos mais não convencionais. Também consumia chalau e calafate dos arbustos que encontrava no caminho para complementar minha dieta que era horrível em gosto. O cheiro e gosto de alimentos frescos ajudam no processo de absorção dos nutrientes de alimentos sintéticos então é bom misturá-los no cardápio. Se tem mais informações dessas duas frutas na internet, são bem fáceis de reconhecer, a região não é próspera em frutas.


Outros detalhes da minha experiência são: sem necessidade de experiência em progressão alpina, sem escalaminhadas, sem navegação dificultada por trilhas (apenas por visibilidade em alguns trechos em caso de tempo muito ruim), não exige experiência com progressão em glaciar (você pode ir pelo glaciar, mas é uma questão de opção, eu preferi ir pela morena). O número de pessoas que fazem a trilha não é grande mas é suficiente para lotar espaços bons de campings e garantir cruzamento com pelo menos um grupo de pessoas no dia.

(Esse pelo que um nativo me falou é o Chalau. Não encontrei informações dele na internet mas é mais gostoso que o calafate. Esteticamente é bem parecido ao calafate, arbusto espinhento, baixo com frutinha redonda pequena. O calafate é azul com fruta um pouco mais amarga)

 

Partindo pro relato por dias de trekking, vou me ater á experiencias mais sucintas pois grande parte delas estão nos vídeos ao final da matéria, podendo ver por imagem, o que é mais explicativo e divertido do que sou capaz de proporcionar pela minha restrita habilidade de relatar por escrita.


PRIMEIRO DIA: (Duração de umas 6 h). Registro e orientações básicas obrigatórias no guarda parque, progresso com visibilidade da cadeia Fitz e cadeia Torre. Após aproximados 65% de duração do primeiro dia se tem uma vista panorâmica do ponto mais alto do primeiro trajeto, no km 9 de caminhada a uma altitude de 1060m. A vista inclui o Huemul, o vale ao qual se progride no resto do primeiro dia, Lago Viedma à esquerda e o Cerro Solo à direita. O dia acaba em um riacho com o camping situado à direita, protegido por morro e por árvores.


SEGUNDO DIA: (Duração de 9-11h). Esse é o dia mais lindo na minha opinião. Inicia-se cedo por conta da fila na tirolesa que está apenas a 3 km andando do acampamento, ao final da laguna. Posterior a isso, tome cuidado pois a trilha vira bruscamente para a direita no sentido da morena e glaciar inferior. Aqui eu passei reto distraído, mas foi um vacilo meu, nada de complexo nessa bifurcação rochosa. Vá com cautela, corpo relaxado e bastões de caminhada para estabilidade na morena. Avalie os passos para não ficar pisando em pedras soltas e ficar gastando energia com escorregões ou tombos. Quedas na morena podem ser cortantes, não se surpreenda com isso. Leve um kit primeiro socorros caso precise fazer pontos com esparadrapo com cortes fundos. A parte mais marcante desse dia é o Paso del Viento, que é uma região totalmente exposta ao oeste, o que justifica a beleza, o nome e a atenção de pegar uma janela de tempo bom passando por ele. Esse dia se encerra com um camping a uma praia de lago e com um morro atrás, o protegendo. Também há um bunkerzinho para cozinha lá. Na parede do bunker se tem escritos de pessoas esperando três dias o tempo melhorar ali para continuar a trilha (pra se ter uma ideia como a trilha pode pregar peças).


(Passando pelo Paso del Viento com um dia lindo no segundo dia)


TERCEIRO DIA: (Duração de 9-11h). Esse dia é o dia mais divertido na minha opinião, apesar de não ter tirolesa. Saí ao amanhecer nesse dia também. Há um trajeto complicado no Paso del Huemul, uma região mais alta e que por estar ainda voltada ao oeste, tem pouca proteção e é mais exposta ao vento. Peguei tempo ruim lá, mas com visibilidade boa. Acabei molhando minha luva ao pegar água e minha mão ficou com a pele bem ruim. Nada que me limitasse a manuseá-las, mas bastava esbarrar em algum lugar que elas cortavam. A descida do Paso é extremamente divertida. Visual da Bahia de los Tempanos (icebergs), decida íngreme que aconselharia ir “esquiando” um pouco pra evitar gastar esforço. Isso acaba denigrindo o ambiente caso não esteja-se fazendo na trilha, o que não foi o caso nessa situação. Isso também gasta mais o solado da bota mas vale a pena na minha opinião. Eu aconselho também tomar um banho nas águas da Bahia de los Tempanos, mas cuidado para não estar distante demais porque constantemente icebergs se despregam e afundam ou emergem da superfície. Não sei como seria um caldo disso, mas com certeza pode ser fatal, já que você já estará extremamente vulnerável em uma água de 3 ºC de temperatura segundo locais, e seu batimento cardíaco já vai estar bem alto por conta disso. Esse dia acampei na Bahia seguinte para ganhar trajeto percorrido no último dia e distância dos demais que estavam fazendo a trilha e acampavam naturalmente nos mesmos lugares. Fui o único a acampar lá. Se tem um lugar bom de camping, mas com única fonte de água próxima sendo o lago, que fica as margens com alguns resíduos.


(Tomando um banho no lago de glaciar da Bahia de los Tempanos encerrando o terceiro dia)


QUARTO DIA: (Duração de umas 7 horas). Sai de noite pois acordei com sede e sem água, ai arrumei as coisas e fui andando até achar de noite mesmo uma fonte a uns 20 minutos de caminha de onde eu estava. Esse dia é bem tranquilo, volta ao campo com cenas bonitas e cenas panorâmicas um pouco antes da tirolesa. Não se tem um caminho bem definido em grande parte do dia. Várias lebres apareceram e um toro também (só pra avisar que tem vacas e touros eventualmente). Passado o Imbarcadero você pode achar alguém pra pegar carona para Chalten ou ir pela estrada até chegar na rodovia principal e pegar uma carona lá para Chalten. É mais rápido, mas definitivamente menos divertido que passar pela trilha final original. Só fiz isso porque queria escalar de tarde naquele mesmo dia. Detalhe: basta dizer “puedes me lebantar hasta Chalten?” Caronar em espanhol é “hacer dedo” mas “dar uma carona” ou seria lebantarte mesmo.

(Segunda tirolesa encerrando a trilha. Essa é feita mais próxima ao rio)

(Vista da rodovia principal, onde intercepta com a estrada do Imbarcadero. Cerro Torre e Fitz Roy escondidos por nuvens, como quase sempre)

Para mais informações acesse o link dos vídeos no youtube. Espero que tenham uma boa caminhada, com tempo bom e que, se passe perrengue, que seja divertido e construtivo pra sua vida de trilhas.


Destaques de toda a trilha:





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